Minicurso Cinco Básicos

O que é os Cinco Básicos ?

O ‘Cinco Básicos’ é um movimento que estimula as famílias na promoção do desenvolvimento infantil, por meio da interação de qualidade entre adultos e crianças.

O movimento é organizado ao redor de cinco princípios que resumem pontos centrais da ciência sobre o desenvolvimento na primeira infância: 

1- Dar muito amor e controlar o estresse; 
2- Falar, cantar e apontar; 
3- Contar, agrupar e comparar; 
4- Explorar através do movimento e da brincadeira 
5- Ler e discutir histórias.

1. Dar muito amor e controlar o estresse

Dar muito amor e controlar o estresse são atitudes que ajudam os cuidadores a se manterem emocionalmente presentes com seus filhos. Relacionamentos consistentes, acolhedores e livres de estresse excessivo promovem o desenvolvimento e o bem-estar emocional das crianças.

A criação afetuosa e receptiva, que tem como objetivo dar muito amor e controlar o estresse, estabelece a base para o desenvolvimento saudável na infância e além dela, promovendo resultados positivos no funcionamento executivo das crianças, desenvolvimento socioemocional, desenvolvimento da linguagem, habilidades acadêmicas e saúde mental (Bernier et al., 2010; Bohr et al.,2018; Coley et al., 2011).

Para esses casos, pesquisas científicas mostraram que os desafios podem ser parcialmente superados por meio de intervenções que treinam os pais para oferecerem cuidados responsivos e estímulos ao desenvolvimento (Landry et al., 2008). 

Outras abordagens promissoras para esse contexto incluem esforços para atender às necessidades materiais das famílias (Smith et al., 2013), fornecer apoio psicossocial, fortalecer o funcionamento executivo dos cuidadores e ajudar os pais a gerenciar o estresse por meio de práticas como atenção plena (Kalil, 2014). A ciência do comportamento também destacou elementos programáticos, como dispositivos de compromisso, instruções comportamentais e incentivos que reforçam os impactos das intervenções parentais entre os pais que vivem em circunstâncias estressantes (Kalil, 2014).

2. Falar, cantar e apontar

Falar, cantar e apontar estimulam o desenvolvimento da linguagem que, por sua vez, viabiliza o aprendizado e o envolvimento das crianças com o mundo ao seu redor.

Primeiro aspecto: a aprendizagem da linguagem é um processo inerentemente colaborativo (Tamis-LeMonda et al., 2014, p. 121).
Nesse sentido, uma descoberta recorrente é a de que bebês e crianças se beneficiam das interações de troca, ação e reação, com os pais e cuidadores, com estes respondendo e ajudando a construir os esforços da criança para se comunicar. 

Pesquisas com diversos grupos culturais e socioeconômicos verificaram que a interatividade entre adultos e crianças, isto é, a capacidade de manter diversos turnos de resposta em conversas, tem um papel central no desenvolvimento da linguagem na primeira infância, prevendo as habilidades de linguagem e os resultados de QI até 10 anos depois (Hirsch-Pasek et al., 2015; Gilkerson et al., 2018; Tamis-LeMonda et al., 2014). Todavia, constatou-se que a mera exposição a pessoas conversando, como ouvir rádio ou televisão, traz poucos benefícios no desenvolvimento da linguagem (Kuhl et al., 2003; Kuhl, 2007). Essa constatação, porém, não quer dizer que todas as tecnologias devam ser rejeitadas, uma vez que algumas delas permitem trocas bidirecionais: conversar por vídeo, por exemplo, permite ação e reação e, portanto, pode ter benefícios semelhantes para uma criança a comunicar-se com alguém que está no mesmo ambiente que ela (Roseberry et al., 2014).

Segundo aspecto : bebês e crianças aprendem novas palavras – e, mais importante, o conhecimento que elas englobam – durante situações contextualmente relevantes e em tópicos que os interessam (Tamis-LeMonda et al., 2018; Snow, 2017). Por isso, as rotinas diárias e os rituais culturais – como tomar banho, se alimentar e
brincar – são repletos de oportunidades para pais e filhos se conectarem em torno de um foco comum, o que ajuda a criança a dar sentido e a associar palavras a objetos ou ações. Além disso, a natureza estruturada e repetitiva desses rituais compreende um roteiro conceitual que apoia o aprendizado e a memória (Tamis-LeMonda et al., 2018). Complementando as atividades rotineiras, experiências novas e incomuns estimulam o interesse da criança e a expõem a novos horizontes e novas palavras (Snow, 2017). 

Terceiro aspecto: conversas de alta qualidade são, em sua maioria, em tom positivo. As afirmações positivas, como “Esse é um brinquedo interessante”, convidam ao engajamento. Por outro lado, repreensões ou proibições, como “Não toque nisso”, são de tom negativo e funcionam como fim de conversa (Dickenson et al., 2011, p. 5). Sendo assim, ambientes de linguagem familiar definidos por proporções mais altas de linguagem positiva em relação a reprimendas ajudam a estabelecer um contexto de apoio e estímulo que aprimora as
habilidades das crianças. 

3. Contar, agrupar e comparar

Contar, agrupar e comparar estabelece as bases para o pensamento matemático, ajudando as crianças a entenderem os números e as categorias que encontram no mundo. 

O conhecimento e as habilidades matemáticas começam a surgir muito cedo, os bebês vêm ao mundo com intuições aparentemente inatas para dar sentido ao mundo quantitativo (Izard et al., 2009;Starkey et al., 1990). Quatro conceitos que os bebês parecem intuir bem cedo são: atributo, comparação, padrão e mudança (Chen etal., 2017, p.25). Esses conceitos precursores embasam o eventual 
entendimento das relações espaciais, cardinalidade, operações numéricas e medição (Ginsburg et al., 2008). O desenvolvimento robusto de tais ideias na primeira infância prepara o terreno para raciocínios matemáticos mais complicados e ajuda a evitar lacunas de habilidades cognitivas durante os anos escolares entre crianças de origens diferentes (Gunderson et al., 2012; Levine et al., 2010).

Um crescente grupo de pesquisas mostra, por sua vez, como o raciocínio espacial floresce quando a brincadeira envolve quebra-cabeças, construção com blocos ou classificadores de formas (Bower et al., 2020; Hawes et al.,2015; Levine et al., 2012; Verdine et al., 2014). Chan et. Al. (2020), por exemplo, descobriram que tanto as crianças quanto os cuidadores prestavam mais atenção às características espaciais dos objetos ao brincarem com blocos do que ao brincarem com um conjunto de brinquedos de cozinha, onde as características espaciais eram menos salientes.

No contexto relacionado às habilidades matemáticas, as rotinas e atividades diárias também estão repletas de oportunidades para explorar conceitos: bater palmas ao som da música e seguir os padrões das letras ou do ritmo; separar roupas limpas ou brinquedos por cor à medida que são guardados; contar ingredientes para uma receita ou combinar panelas ou vasilhas e suas tampas ao arrumar a cozinha são momentos que naturalmente oferecem conversas e descobertas no campo da matemática (Development and Research in Early Mathematics Education,2020; Geist et al., 2012).

4. Explorar através do movimento e da brincadeira

Explorar através do movimento e da brincadeira estimula a curiosidade, a exploração e a descoberta, além de apoiar o desenvolvimento de habilidades motoras e de um corpo saudável.

As crianças são naturalmente ativas, curiosas e brincalhonas. Brincar é a principal atividade da infância e é essencial para o bem-estar e o aprendizado. A brincadeira foi observada em uma variedade de espécies animais, o que demonstra como está profundamente enraizada em nossa psicologia e como representa uma modalidade de experimentação e aprendizagem.

• Brincadeira social ou de faz de conta 

As primeiras brincadeiras dos bebês assumem a forma de interações divertidas e recíprocas entre pais e filhos (por exemplo, rir e responder a verbalizações e jogos de “Cadê? Achou!”). Elas promovem uma conexão amorosa e preparam o terreno para o desenvolvimento linguístico, social, emocional e cognitivo (Yogman et al., 2018). Conforme o bebê se desenvolve, a brincadeira social pode incluir o adulto fornecendo suporte para facilitar o envolvimento e a aprendizagem da criança além do que ela poderia realizar por conta própria, através de dicas verbais, demonstração, informações ou fazendo perguntas, por exemplo (Yogman et al., 2018; Zosh et al., 2018). Assim, quando a criança começa a explorar e brincar de forma mais independente, ela se engaja em “referências sociais”, periodicamente olhando para trás em direção ao adulto como uma base segura e fonte de garantia (Yogman et al., 2018).

• Brincadeira com objetos

“A aprendizagem requer que a geração de conhecimento seja um processo interativo no qual uma criança usa o que sabe para gerar novas hipóteses, testar essas hipóteses […] e atualizar sua compreensão com base nesses testes” (Zosh et al., 2018, p. 7). 

Nesse sentido, a brincadeira com objetos oferece oportunidades para investigação e aprendizado práticos, em que os bebês exploram as propriedades dos objetos colocando-os na boca, examinando-os com as mãos e olhando para eles, alternando entre essas experiências para fazer inferências (Clearfield et al., 2014).Descobriu-se que a sofisticação da exploração inicial de objetos antecipa o desenvolvimento cognitivo posterior em áreas como atenção e resolução de problemas (Clearfield et al., 2014).

• Brincadeira física

Brincadeiras e movimentos físicos apoiam o desenvolvimento de habilidades motoras, coordenação e saúde física geral (Yogman et al., 2018), bem como o desenvolvimento cognitivo, socioemocional e da linguagem. Com cada nova conquista física – desde sentar-se até engatinhar e andar – a criança adquire novas maneiras de explorar, agir em seu ambiente e se envolver com cuidadores e colegas (Needham & Libertus, 2011). Durante os primeiros anos de vida, as brincadeiras rudimentares oferecem oportunidades para avaliar o risco e testar os próprios limites (Yogman et al., 2018, p. 5). Assim, as crianças pequenas experimentam uma sensação de domínio, alegria e liberdade à medida que adquirem novas habilidades e movem seus corpos.

5. Ler e discutir histórias

Ler e discutir histórias faz as crianças se envolverem com o pensamento e construírem conhecimento, raciocínio e habilidades iniciais de leitura.

A leitura compartilhada de livros fornece um contexto importante para o desenvolvimento da linguagem e da alfabetização de crianças pequenas. Isso acontece porque essa prática tem o potencial de apresentar palavras, conceitos e formas de discussão e raciocínio que

as crianças podem não encontrar em outras atividades(Tamis-LeMonda et al., 2019).

Ao longo do tempo e com o avanço da idade, conforme os vocabulários receptivo e expressivo das crianças se expandem, elas se tornam mais capazes de se envolver com o texto real dos livros que os cuidadores leem para elas e ter conversas sobre as ideias em questão (Demir-Lira et al., 2019; Rowe & Zuckerman, 2016). Nesse percurso, a leitura dialógica ou “comentários e perguntas que vão além da palavra escrita e conectam a história às experiências da criança” são importantes nas interações de leitura conjunta entre crianças e seus cuidadores (Munzer et al., 2019, p.2). Assim, a riqueza das discussões durante a leitura compartilhada do livro tende a antecipar as posteriores

habilidades de alfabetização das crianças. Em um estudo longitudinal de leitura compartilhada de livros, Haden et al.(1996) observaram que crianças com 40 meses de idade de mães que discutiram as leituras – em grande parte fazendo conexões com o conhecimento geral, encorajando seus filhos a fazer inferências e previsões e confirmando os comentários das crianças – tiveram um melhor desempenho em tarefas de alfabetização aos 58 e 70 meses de idade em comparação com crianças cujas mães simplesmente leram e descreveram o texto.

Conclusão

As evidências apresentadas acima mostram que cada um dos princípios da iniciativa Cinco Básicos está fortemente fundamentado em na literatura de um campo de pesquisa. O conjunto de pesquisas científicas disponíveis estabelece que as rotinas diárias das famílias, que muitos podem tomar como certas ou intuitivas, são fundamentalmente importantes para o desenvolvimento inicial do cérebro na primeira infância. Nesse sentido, muitas das práticas que incorporam os princípios propostos são atitudes que os cuidadores já fazem em seu dia a dia, mas possivelmente sem a intencionalidade que poderiam se entendessem os potenciais impactos que essas práticas têm no desenvolvimento dos bebês e crianças pequenas.

Sendo assim, o objetivo do movimento Cinco Básicos é ajudar as partes interessadas da comunidade e das famílias a aproveitar o poder que possuem para potencializar o futuro das crianças. A intenção é que cada família tenha as informações e o apoio que precisam para aproveitar ao máximo o conhecimento que a ciência contemporânea disponibiliza.

Fonte: Site oficial Cinco Básicos